Deglutir o amor

11:35

Não sou uma pessoa muito sensível. De um certo modo, por assim dizer, costuma-me ser moderadamente indiferente a morte do parente de um conhecido, quando sei que alguém ficou doente, ou, sabe Deus que desgraça aconteceu a quem. É a vida, e quem ainda não sabe o que a vida é, abra os olhos. A injustiça não é uma (má) escolha, é um facto. Por mim viviam todos. Todos milionários, todos a vender saúde. Mas eu não posso escolher, e desfruto desta consciência para sofrer apenas onde estritamente necessário, e nem um mílimetro mais à frente.

Mas devo admitir, todavia, que quem não sente, não é filho de boa gente. E enquanto eu não estabeleço que os meus pais são tão bons quanto possível, mas que possivelmente eu até desejava mais. Contorço-me porque é a mim que me dói se me beliscam. Eu não entendo chinês e os russos, por norma, não compreendem latim. Não há nada que se iguale ao amor aos meus filhos. São meus. São eu. São a minha pele, que eu toco, que eu cheiro. Os meus bebés. São mesmo. São meus. São bebés. Assola-me o medo. Não os quero perder, nem no mar como a tragédia na ordem do dia*. Nem nos afectos. Quando ao fim do dia estou cansada, deito um e deito o outro, mudo uma fralda, o outro foge. "Anda cá!", "Veste as calças!", "Não tira a camisola!", E a bexiga contrai-se. Estou o aflita, mas tenho que esperar. E tenho sede, sede de tempo sem fazer, sem nenhum afazer. Toda a gente sabe que beber quando se está aflito só aumenta a vontade, o constrangimento. Todo o tempo do mundo.

Passo o dia a morrer de saudade.


* Ora, vejamos, estava na ordem do dia quando escrevi isto, em Fevereiro. Mas vocês percebem a ideia.

0 comentários