Cruzámo-nos

O meu ritmo normal de leitura é de um livro por semana, não é muito nem é pouco, é o meu ritmo. No entanto, não me tem sido possível manter este ritmo. Nos últimos tempos, entre trabalho, aulas e crianças, tem sobrado pouco tempo para a leitura, e, por isso, estou há um mês Dentro do Segredo do José Luís Peixoto. Tenho demorado este tempo também porque este não é um livro qualquer. Este é o primeiro livro que leio do José Luís Peixoto, o meu tipo de autor. O livro é uma viagem, retrata a viagem do autor à Coreia do Norte, e só isso já é merecedor de destaque, gosto de História, gosto de História contemporânea e adoro a História que se faz hoje, a História que se escreve enquanto eu vivo, noutro lugar, embrulhada em contextos que não imagino. Mas a viagem que tenho feito não é só à Coreia do Norte, é à vivência desta viagem pelo José Luís Peixoto, que habilmente descreve, num malabarismo de palavras, cada espanto, cada revolta, cada choque de culturas, de estados e crenças. E estou inebriada com a escrita, é o primeiro livro que leio, mas não é o último, porque esta escrita pede mais, como água que se bebe que não mata a sede, que me torna mais sedenta. A leitura tem sido demorada porque não procuro nenhum desfecho, não quero saber quem matou quem ou quem casou com quem, quero passar pelos lugares com o José Luís Peixoto, e passá-los com calma, sem pressa de chegar.

Porque esta leitura tem sido tão lenta, ontem, quando saí do escritório, trazia este livro na minha mala. Ontem, como  hoje já começa e se avizinha, acordei às seis e meia da manhã, às nove sentei-me no meu lugar, às seis saí do emprego para às seis e meia me sentar novamente, desta feita, nas aulas. Neste compasso de meia hora de troca de papéis, subia a rua para ir para o metro e passei por três pessoas. No meio uma senhora de idade avançada, muito próximos dela dois adultos de meia idade, um homem e uma mulher. O homem, não muito alto, dificilmente considerado baixo , ainda assim, vestia roupas escuras, tinha cabelo cinzento, não disfarçado, e tinha piercings na orelha. Dei alguns passos, na direcção da minha vida, para o tic tac do relógio. Parou o relógio. Voltei para trás, era ele, o autor da viagem que estou a fazer, há um mês.

Chamei-o, ele parou. Veio ter comigo, habituado, eu não. Cumprimentou-me, estendi-lhe o livro, quando encontrei (ao livro soterrado na mala), e ele assinou-o. E conversámos, humanamente, conversámos. Esta mania que tenho que autores são semi-deuses que o que fazem, tocar-nos pelos textos, são milagres.



P.S.: A fotografia da capa do livro foi tirada no meio de nenhures, pelo José Luís Peixoto, clandestinamente num movimento como quem acena.

Todos os Santos



Ontem foi dia de todos os santos e eu não preciso de um dia no ano para me lembrar que isto aconteceu. Eu vivo a imaginar o dia em que Lisboa vai voltar a tremer. Não ajuda nada eu estar em vias de me mudar para um prédio com cem anos. Estimadinho, sim senhor! Mas centenário!