Há Tempo

03:15

Quando me cruzei com este artigo AQUI, intitulado "Why My Family Doesn't Do Sleepovers", pensei, antes mesmo de o ler, "Oh, não! Da série: Tem andado a fazer tudo errado na educação do seu filho, temos aqui uma teoria novinha em folha para o fazer sentir mal!". Honestamente, pachorra para cada teoria! Mas, como a curiosidade matou o gato, não só li o artigo, como dei por mim, no fim, a concordar.

No fundo o que é dito no artigo, é que uma criança a dormir fora de casa, em casa de amigos, está muito mais exposta ao perigo de abusos sexuais. Não necessariamente por parte dos pais dos amigos, mas irmãos mais velhos, primos, amigos dos amigos. Nesta parte do artigo, eu disse, baixinho e só para mim!: menos, minha gente, menos! Na verdade, eu não conheço nenhum caso próximo de abuso sexual, e assim que me recorde, nem afastado. Sei que existe, obviamente! Eu não conhecer não significa que não exista. Não estou fechada na caverna, e isto não é uma alegoria. Sei que é (deve ser, acredito que seja!) um marco terrível na vida de uma criança. Mas, felizmente, é uma realidade que tenho bastante distante. Apesar de ser muito apologista do não há (ou há poucos) bons seres humanos, também não acredito que hajam assim tantos maus (ou tão mesmo maus!). Eu nunca fui assaltada, não tenho medo de sair à rua fora de horas, mas também sei que não devo andar com a carteira escancarada, ou meter-me em becos escuros à noite. Acho que, como em tudo, impera o bom senso.

Evitar que os filhos durmam em casa dos amigos dado o perigo de abuso sexual, parece-me exagerado - ao melhor estilo do permanecer em casa para evitar ser atropelado. Quando eu não devia ter mais de 10 anos, teria eu uns 8 anos, talvez, morava em Tomar. Uma cidade pequenina, amorosa, onde se vivem muito intensamente os acontecimentos da cidade (é uma vida de vila, um pequeno burgo que é cidade porque a Rainha Dona Maria II amaaaaavaaaa a vila e fez dela, no século XIX, justamente, cidade). Uma vez tomarense, a camisola do Nabão, tudo nos diz respeito. Um prédio antigo ruiu no centro da parte antiga da cidade (para quem possa conhecer, ao lado da Rolisport, perto do Café Santa-Iria! - ontem foi dia de Santa Iria em Tomar, btw! Alguém se lembra disto?!), um senhor mui antigo, dos seus noventa anos, estava justamente sentado no seu trono (vulgo pia, retrete ou sanita), quando a casa desabou, tendo o homem vindo do segundou ou terceiro piso aterrar no rés do chão agarrado às calças. Desta lição da minha infância, eu retiro um lema, que embora não absoluto é importante: quando é para acontecer desgraça, ela acontece em qualquer lugar.

Agora, voltando ao artigo, houve um aspecto que me fez pensar. Em criança, passar a noite em casa dos amigos é uma excitação. Lembro-me perfeitamente de que quando isso acontecia, eu ficava impossível de alegria. Eu e as minhas amigas faziamos planos, apresentávamos umas às outras o resto das nossas vidas além do que era passado na escola. A casa, a família, os hábitos, o cão, o gato, os brinquedos. Brincar em casa dos amigos era óptimo, passar a noite em casa das amigas era o auge. Mas ao lado desta excitação lembro-me que também sentia outras coisas, sentia que aquela família tinha rotinas e hábitos diferentes dos meus e que isso era estranho (não estou a falar de ninguém acordasse à meia noite para jogar Trivial Persuit, mas o espaço era diferente e com ele os hábitos). Eu sentia-me na posição de convidada, queria ser prestável, educada, não incomodar, por isso sei que se precisasse , por algum acaso, de pedir socorro (porque me doia a garganta, porque tinha frio, ou o que fosse), eu não o faria. Finalmente, sei que se as minhas amigas me dissessem que era normal fazer alguma coisa, eu aceitaria. Se os irmãos mais velhos me acordassem para, estou a excluir, redondamente, as questões dos perigos de abusos sexuais, fazer um disparate qualquer - sei lá ir brincar para o sotão ou trepar ao telhado, eu dificilmente me oporia, não teria discernimento suficiente para saber se aquilo era algo normal para aquele contexto. Por isso, sim, acho que as crianças são frágeis e vulneráveis. Cabe-me proteger os meus filhos, rodeá-los e dar-lhes veículos de amadurecimento sem que para isso os coloque em posições de fragilidade. Não faz mal nenhum tratarmos as nossas crianças como crianças e esperar que cresçam. Há, espera-se, tempo para tudo. Existe, para tudo, o momento certo. Há que respeitar o tempo de proteger, preparar e ensinar


P.S.: É óbvio que as minhas crianças ainda não dormem em casa dos amigos. Quanto muito em casa dos avós e não há problema nenhum.

0 comentários