Cruzámo-nos

05:39

O meu ritmo normal de leitura é de um livro por semana, não é muito nem é pouco, é o meu ritmo. No entanto, não me tem sido possível manter este ritmo. Nos últimos tempos, entre trabalho, aulas e crianças, tem sobrado pouco tempo para a leitura, e, por isso, estou há um mês Dentro do Segredo do José Luís Peixoto. Tenho demorado este tempo também porque este não é um livro qualquer. Este é o primeiro livro que leio do José Luís Peixoto, o meu tipo de autor. O livro é uma viagem, retrata a viagem do autor à Coreia do Norte, e só isso já é merecedor de destaque, gosto de História, gosto de História contemporânea e adoro a História que se faz hoje, a História que se escreve enquanto eu vivo, noutro lugar, embrulhada em contextos que não imagino. Mas a viagem que tenho feito não é só à Coreia do Norte, é à vivência desta viagem pelo José Luís Peixoto, que habilmente descreve, num malabarismo de palavras, cada espanto, cada revolta, cada choque de culturas, de estados e crenças. E estou inebriada com a escrita, é o primeiro livro que leio, mas não é o último, porque esta escrita pede mais, como água que se bebe que não mata a sede, que me torna mais sedenta. A leitura tem sido demorada porque não procuro nenhum desfecho, não quero saber quem matou quem ou quem casou com quem, quero passar pelos lugares com o José Luís Peixoto, e passá-los com calma, sem pressa de chegar.

Porque esta leitura tem sido tão lenta, ontem, quando saí do escritório, trazia este livro na minha mala. Ontem, como  hoje já começa e se avizinha, acordei às seis e meia da manhã, às nove sentei-me no meu lugar, às seis saí do emprego para às seis e meia me sentar novamente, desta feita, nas aulas. Neste compasso de meia hora de troca de papéis, subia a rua para ir para o metro e passei por três pessoas. No meio uma senhora de idade avançada, muito próximos dela dois adultos de meia idade, um homem e uma mulher. O homem, não muito alto, dificilmente considerado baixo , ainda assim, vestia roupas escuras, tinha cabelo cinzento, não disfarçado, e tinha piercings na orelha. Dei alguns passos, na direcção da minha vida, para o tic tac do relógio. Parou o relógio. Voltei para trás, era ele, o autor da viagem que estou a fazer, há um mês.

Chamei-o, ele parou. Veio ter comigo, habituado, eu não. Cumprimentou-me, estendi-lhe o livro, quando encontrei (ao livro soterrado na mala), e ele assinou-o. E conversámos, humanamente, conversámos. Esta mania que tenho que autores são semi-deuses que o que fazem, tocar-nos pelos textos, são milagres.



P.S.: A fotografia da capa do livro foi tirada no meio de nenhures, pelo José Luís Peixoto, clandestinamente num movimento como quem acena.

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